O Cobrador da Amazônia

Autor: Chicco Moreira

XII. Um crime na floresta

Envolto nessa atmosfera de lendas e histórias espetaculares, num passeio pela vila para aliviar as tensões, Francisco tem um choque ao ouvir boatos sobre um assassinato em Xavier. Surgem relatos aterrorizantes sobre um velho gordo e uma mulher encontrados mortos dentro nas terras de Lindemberg. Estarrecido, o professor não acredita na história. O tom grotesco com o qual a população se refere ao episódio o deixa sufocado. “As pessoas falam da morte e dos mortos com desdém, com uma frieza que eu nunca tinha visto na minha vida”, reflete.

 

Segundo dizem, o gordo estaria investigando o patrão e teria sido morto com pauladas na cabeça, homicídio brutal. A mulher ruiva, acompanhante do velho, foi estrangulada, era o que se dizia.

Francisco não conseguia imaginar Amelinha com os olhos arregalados de pavor nem o falastrão Abreu com a cabeça esfacelada por um porrete. Com falta de ar, voltou para a casa, as passadas largas e aceleradas, em busca de Telma e Messias.

— É verdade, mataram os dois. Foi coisa feia. Arrebentaram o crânio do gordo.

Messias falou com autoridade, como se tivesse ido ao local do crime.

Telma arrematou:

— A cara da mulher era de terror. Os dois estavam do jeitinho que vieram ao mundo, peladinhos.

As mortes cravaram uma certeza, para o professor: em Xavier, as pessoas não manifestam empatia com o que chamam de “estrangeiros”. Apesar de nojento, o gordo não merecia fim tão cruel, no meio da floresta, considerou o mestre. “Nada justifica o assassinato de um ser humano”, pensou.

Messias fez um alerta:

— Logo esta vila estará repleta de policiais da capital. Abreu era um homem de posses, não era um ribeirinho comum.

O professor recupera imagens do casal, no navio, na charrete, no Pombal (terá sido real?), revolta-se com o crime bárbaro. “Tudo a mando de Lindemberg”, acredita o mestre.

Mais que negócios, Abreu tinha uma missão em Xavier: acabar com o poder de um homem rico, explorador dos ribeirinhos plantadores de juta e conhecido pela alcunha de patrão.

Por dias, até a chegada dos investigadores, reinou o mais absoluto silêncio sobre o crime e os mortos. Um nome, no entanto, caiu na boca do povo: Jonas. Desde os assassinatos, o filho do boto passou a desfilar na cidade bem vestido e a frequentar o bar com dinheiro de sobra. Francisco lembrou do encontro furtivo com Janaína e especulou: “Abreu assassinado pelos dois, a mando de Lindemberg”.

Os dias que se seguiram atiçaram a curiosidade da população de Xavier, principalmente depois da chegada dos policiais da capital. Instaurado o inquérito, procuradas possíveis testemunhas, nenhuma porta se abria para o desvendamento do homicídio. Com as pesquisas paradas, Francisco se isola, desconfiado e apavorado. Sente o desequilíbrio de suas funções orgânicas.

Num fim de tarde modorrento, encosta no bar de Miro e pede uma pinga. A velha falta de ar o persegue. Amelinha e Abreu, cabeça esfacelada, ela estrangulada, as italianas, o chá, fantasia ou realidade?

Miro fica boquiaberto ao perceber a chegada de Jonas, exibindo trajes novos e coloridos, um par de tênis e óculos de sol. Com cautela, o professor confere dos pés à cabeça os trajes do caboclo metido a galanteador.

Ninguém conversa, e o silêncio só é quebrado quando Jonas pede uma cerveja, pela primeira vez na sua vida, para espanto de todos os fiéis frequentadores do boteco do Miro. Até aquele dia, Jonas só tinha dinheiro para a habitual cachaça.

Conhecedor da clientela, Miro olha desconfiado para Jonas, serve a cerveja gelada. O filho do boto percebe a atitude do velho Miro e, em tom de malcriação, mostra a carteira cheia de dinheiro sem se dar conta da presença dos homens da lei.

— Tá pensando o quê, Miro? Eu tenho dinheiro, tu qué vê?

Quanto mais o mestre tenta afastar-se de situações problemáticas, mais a vida parece levá-lo a essas veredas conturbadas. Só que, dessa vez, toma um susto ao presenciar tamanha petulância de Jonas. Francisco reconhece a carteira do velho Abreu assassinado nas mãos do prepotente filho de boto. A mesma carteira que o mestre havia apanhado do esgoto dias atrás, e entregue ao senhor embriagado.

Instintivamente, o professor olha para os homens da lei, presentes no local, que nada percebem, enquanto Jonas exibe o novo visual e esbanja uma riqueza adquirida ilicitamente.

— Um assassino frio e burro.

Sem saída, precisa reagir, e não pode deixar que o filho do boto desconfie que a carteira de Abreu foi reconhecida.

Os policiais levantam-se e saem do bar, enquanto Jonas, pelo seu jeito, não parece temer qualquer condenação. Pelo contrário. Está muito tranquilo. Embora todos tenham visto aquela carteira recheada de dinheiro, ninguém tomou qualquer atitude. Francisco pensou:

— Os policiais já foram e ninguém mais vai fazer nada?

Tonto, Francisco busca a luz do sol. Ao chegar à frente do boteco, respira com energia, percebendo no outro lado da rua os agentes, que conversavam com Lindemberg e Janaína.

O mestre sabe do que se trata. O patrão dá uns tapinhas no ombro dos homens, amistosamente, e sai, impoluto. Os policiais viram as costas a qualquer senso de dever. Na manhã seguinte, vão embora daquelas terras distantes como se não tivessem encontrado duas pessoas seviciadas e executadas com frieza. Caso encerrado. Os poderosos dão as cartas.

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