O Cobrador da Amazônia
Autor: Chicco Moreira
XV. Sem limites para o prazer
Cuidando muito bem do professor, como se fora o próprio filho, Telma toma para si as rédeas da vida desse estrangeiro e transpõe, de vez, os limites impostos pelo homem fragilizado. Aparece nas horas necessárias, sem importunar. O mestre demorou mas saiu do surto, e reconhece que deve parte de sua vida àquela mulher.
Os cochilos do mestre são sempre povoados pelos mesmos pesadelos confusos. Quando está se afogando, vê sua mulher, Clara, aparecendo em seus sonhos na cidade de São Paulo ao lado do amante, a casa totalmente debaixo d’água, maculada pelo adultério.
O desejo de morrer em razão da cena presenciada e a instintiva vontade de viver, sair daquela água e respirar deflagram no professor um conflito absoluto. Logo as impressões se mesclam mais uma vez, e aquela sensação de terror e pânico é amenizada por uma agradável paz interior suscitada pela presença, novamente, do boto salvador. O amor pelo animal é instantâneo e lhe arranca um sorriso, fazendo-o crer que, diante do ocorrido, estará ligado para sempre àquele animal, por gratidão.
Acorda com um sorriso no rosto, o estômago azedo e a boca amarga. A penumbra do quarto, iluminado apenas por uma lamparina no corredor, o deixa mais calmo e sereno. Não tem noção das horas, nem do dia da semana, sendo capaz de reconhecer tão somente a casa e a cama. Telma, escancarando a porta de uma só vez, deixa a luz da chama se espalhar na escuridão do quarto. A claridade ultrapassa o vestido transparente e a silhueta sensual desperta o professor.
Ela se achega e, delicadamente, oferece-lhe um copo com leite, quase forçando-o a beber o líquido, tamanha é a sua singeleza. O mestre obedece. A sensação de perda que abatia a vizinha pelo desaparecimento do pesquisador se desfaz e Telma decide não perder mais tempo.
Pega o copo vazio da mão de Francisco e coloca no criado-mudo. Em seguida, levanta o lençol para entrar por baixo. De forma insidiosa, vai se enfiando e se aconchegando, aos poucos.
Introspectivo, o professor aguarda as novas atitudes da mulher. A noite está quente. Pensa no desejo, e sabe que precisa libertar-se das amarras que estigmatizaram sua história de vida. A libido domina seus movimentos e o corpo aguarda o toque. Quando estava prestes a morrer afogado, pensava nas oportunidades perdidas; mas agora, já a salvo, espera por um outro desfecho.
As iniciativas partem dela, deitando-se sobre o peito do homem que ela já havia escolhido na chegada. Fica ali, olhando, admirando o queixo dele, acariciando a barba, os lábios tocam seu pescoço. Aproveitando-se da carne branca e fria, busca o calor do coração. Apaixonada, entrega-se mais e mais, envolvendo o parceiro completamente.
Francisco não se esquiva. Depois de uma vida inteira de controles e autopunições, permite-se, no momento, usufruir da luxúria, de cara limpa, sem bebidas exóticas ou ervas, sob o efeito apenas de um copo de leite e da excitação provocada por um belo corpo selvagem. Deitada ao lado dele, Telma o beija com carinho, com a cabeça ora no peito, ora no pescoço ou no queixo.
A presença daquela mulher, há muito desejada, é o que ele mais almejava em seu íntimo nos últimos tempos, embora sob os disfarces do pudor. Contudo, uma apatia abate seu semblante, enquanto Telma sente uma angústia ao relembrar os momentos tenebrosos dos últimos dias e, sobre o peito dele, deixa cair uma lágrima, de felicidade,
Vivos e juntos. Essa realidade a deixa quieta e muda, embora ainda sofra pela obviedade da concretização da única certeza da vida, que é o fenecer, e sobre o qual, paradoxalmente, nada sabemos.
Aos poucos, ela vai se aproximando mais do mestre. Disfarçando as intenções, diz:
— Boa noite, professor. Não vai me beliscar quando eu estiver dormindo.
Lança a brincadeira, mas ele não reage do jeito esperado.
— Não se preocupe, não vou beliscar.
Ele responde seco e sem criatividade. Telma, chamando toda a responsabilidade para si, segura no queixo dele e o beija, acelerando os batimentos cardíacos do mestre, que abre os olhos de surpresa. Embora não esperasse por isso, ele começa a relaxar, entregando-se ao beijo demorado da morena. Ela ataca:
— Prefiro um beijo que um beliscão.
Eles sorriem e recomeçam tudo, intensamente. Têm todo o tempo do mundo para ficarem ali, na cama, aos beijos. Incendiado, Francisco se liberta de falsos pudores e aceita as condições impostas pelo amor.
Telma acaba fazendo o que o professor nunca permitiu à esposa fazer, mesmo quando ela se insinuava. Francisco jamais deixou Clara avançar sobre seu corpo com tamanha volúpia. A trava sexual não permitiria. Mas com Telma as coisas são diferentes.
Para evitar fazê-lo chegar ao êxtase em segundos, a vizinha resolve dar uma pausa. Os dois se abraçam com força. As duas bocas se encontrarem, emaranhadas em beijos. Entregue mas energizada, Telma se sente segura e realizada, como se a umidade e o calor da floresta fundissem os corpos sobre o leito.
Ficam assim, inebriados por incríveis sensações de prazer, até Francisco ser invadido por súbitas recordações. O inconsciente dele trabalha e a cena de Clara com o amante na cama, os dois num só, vem-lhe à mente. Em vez da raiva, o professor sente um certo relaxamento, enquanto Telma o acolhe com carinho e apaga as imagens tenebrosas do passado.
Francisco ferve. A emoção se expande e o sangue circula como torrente por suas artérias até o ponto sem retorno, o berro abafado revelador de emoções nunca vividas, e ele se delicia com o prazer de estar vivo. Cai ao lado de Telma na cama, exausto, suado e, por mais estranho que pareça, começa a chorar copiosamente, do nada. Ela, que não conseguiu chegar ao êxtase, se assusta com o choro. Fica alguns segundos olhando sem saber como proceder, sem fazer perguntas, acarinhando o parceiro, fazendo com que, aos poucos, a intensidade das emoções vá diminuindo e o pranto se estanque.
Francisco ressona. A noite de sexo chegou ao fim e Telma relaxa, ainda que um pouco frustrada. Nessa hora, uma música de carnaval é ouvida no fundo, a festa rola solta em Xavier. Na alcova, porém, a dança tinha sido bem mais prazerosa; pelo menos para o professor.