O Cobrador da Amazônia

Autor: Chicco Moreira

VI. À catraia

Depois de descerem a rampa barrenta, Messias carrega o motor de rabeta até a embarcação, passa a corrente e ajusta o parafuso. Desce a canoa, suavemente, até a água. Francisco não esconde o pânico:

— É nessa coisa que vamos? Isso não vai afundar? É assim mesmo? Faltam dois centímetros para a água entrar!

Sorrindo, Telma diz para ele não se preocupar.

— A canoa é um transporte seguro e bastante usado nessa região.

Ela é a primeira a entrar. Estende a mão para o pesquisador. Mostrando falta de habilidade, tremendo, o professor se imagina caindo na água, e fica com medo. Não sabe se pula no rio ou se senta de uma vez. Messias se antecipa. Segurando o braço no inexperiente viajante, olha-o com firmeza, como um pai que repreende o filho, e acomoda-o no lugar certo, devolvendo o equilíbrio imediato para pequena embarcação.

Messias prepara um lampião, solta as amarras e salta para dentro da catraia já em movimento, levada pela pouca correnteza da enseada, equilibrando-se numa disposição de dar inveja. Põe o motor para funcionar e ruma até a comunidade ribeirinha para encontrar Ayrão, a poucas milhas náuticas dali.

Nos primeiros minutos da viagem, Francisco observa fixamente os limites do barco e da água, concentrando toda a sua atenção naqueles centímetros que os separam de um naufrágio. Tenso, deixa de apreciar as belas coisas ao redor. Telma, por exemplo, é uma delas, com sua forma de chamar-lhe a atenção para a paisagem e de revelar, em tom de brincadeira, um segredo regional:

— Essas canoas só afundam quando ficamos olhando para as suas bordas.

O mestre olha sério, mas depois sorri. Aos poucos, o professor vai relaxando e entregando-se aos prazeres da jornada.

A conversa na canoa gira em torno do rio Madeira e das suas peculiaridades. Para alguém com uma sensibilidade e um lirismo à flor da pele, esse é um papo agradável. O mestre participa da conversa na condição de mero ouvinte, gravando tudo na memória e cuidando para não perder um só detalhe. Para ele, a Amazônia é um mundo pronto a ser desbravado.

Sob um sol escaldante, Francisco sua feito uma chaleira. A canoa entra no rio Claro, esverdeado, estreito, sem grandes correntezas. Telma, com a naturalidade própria dos nativos, molha um lenço na água e passa no rosto do professor, que também tenta encarar tal gesto com espontaneidade. Ela repete a gentileza, outra vez e mais outra. Enfeitiçado, Francisco observa quando ela passa o lenço no próprio busto e nota a água escorrer para dentro do vestido, fazendo brotar os mamilos.

É difícil disfarçar a forte atração. A duras penas, o acadêmico respira, se contém, dominando seus impulsos que, na selva exuberante, estão muito mais aflorados. Sempre trancados a sete chaves, desejos reprimidos que nunca foram tão ousados agora transbordam como uma torrente em fúria.

O professor lembra dos seus interesses sempre voltados para o trabalho e, pelo menos por enquanto, tenta não ver Telma como uma possível amante. Precisa se concentrar na pesquisa. Retoma a postura.

A moça tenta entender o motivo de tanta seriedade. Compreende, dentro de seus conceitos simples, o fato de estar diante de um ser incomum e com vários resquícios de uma vida marcada por regras que ela própria desconhece. Por trás dessa aparência sisuda, existe um homem triste, sedento por amor e brigando para se libertar dos grilhões de uma vida inteira.

O instinto selvagem da guerreira é o caminho e a verdade, nada mais importa; nem o coração, nem a mente, nem os olhos, nem os ouvidos, nada engana, com exceção da sensibilidade da cabocla que, por sua vez, ao observar o olhar de contemplação forçada, começa um estágio de ebulição interna. Suas entranhas se retorcem. Lembra de ter sentido isso quando amou outro homem com características muito similares.

Messias se diverte, pois já percebeu a atmosfera. Conhece bem a moça, sabe que ela é dona do próprio nariz. Depois de uma conferida no casal, o comandante da pequena embarcação abre um sorriso ao ver o destino se revelando.

 

No curso do rio, à frente, cresce a vila dos pescadores do delta amazônico. Palafitas exuberantes nas suas decorações exóticas, tropicais, cobertas de palhas, se abrem estampadas na mata, cores e redes de pesca realçam à paisagem, árvores com balanços e uma praia bem escondida enchem de alegria os corações dos visitantes.

Crianças correm na areia branca pra lá e pra cá, movimentando o povoado daquela aldeia. A brincadeira é atirar caroços de ingá uns nos outros.

A canoa motorizada atraca com sutileza. Nesse terreno de areia fina fica fácil de sair, e o mestre é bem mais rápido. Agora é Francisco quem segura a mão de Telma, que começa a olhá-lo com mais determinação. Sedutora, ela agradece a ajuda. Após algumas manobras para facilitar o desembarque, o chefe da vila e alguns pescadores se aproximam.

— A quem devo a honra dessa inesperada visita?

Francisco olha para Ayrão e um sorriso lhe vem à face. Envolvido em preconceitos viscerais, fermentados ao longo de tantos anos, não esperava ver alguém falar assim por aquelas bandas.

 

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